domingo, 23 de agosto de 2009

PESSOA (3ª semana)


Porque Ele também era Ela e Ela também era Ele vamos chamar-lhe apenas Pessoa (até porque toda a gente é pessoa, não é verdade?).
Pessoa era o centro das atenções numa praça onde circulavam todo o tipo de pessoas. E era o centro das atenções porque Pessoa se encontrava de pé sobre um estrado, não para cantar nem para discursar...
A multidão não sabia quem era Pessoa. Mas vendo o nó de verdugo a rodear-lhe o pescoço comunicavam os mais variados pensamentos e sentimentos:

- É a melhor maneira de dissuadir os potenciais infractores: cortar o mal pela raiz!
- É inacreditável o que estamos a observar!
- É porque fez alguma das grandes!
- Para grandes males grandes remédios!
- Pobre alma que terá feito!

Tudo estava a postos para o processo de execução que seria visualizado pela multidão num écran gigante. Em breve teria lugar a contagem decrescente e finalmente o cadafalso abrir-se-ia para engolir aquela vida.
O gigantesco écran é activado. Os verdugos colocam-se um do lado direito e outro do lado esquerdo de Pessoa. Aparece no contador electrónico o número 10. Ao lado, o rosto de Pessoa aparece em grande plano. Seu rosto está sereno embora abatido. Fazem um zoom do seu olhar: uma lágrima parece querer libertar-se dos seus olhos (alguém na multidão é tocado e sente o próprio olhar turvado). Agora um dos verdugos dirige-se a Pessoa:

- É um direito do condenado expressar o seu último desejo. Por isso manifeste-se.

Pessoa olha à sua volta e o seu olhar descansa numa das laranjeiras que enfeitam a praça num verde-laranja-amarelo, como sinal de um misto de esperança, de energia e de luz. Olhando para o verdugo, olhos nos olhos, diz serenamente:

- Quero uma laranja.

Os verdugos olham-se e em uníssono deixam escapar:

- Uma laranja?!?!.

O sorriso tonto dos verdugos foi visível e partilhado pela maioria da multidão, que está ansiosa pelo espectáculo.
Uma pausa apenas para alguém colher a dita laranja.
Eis a laranja, com uma folha verde no pé, nas mãos de Pessoa. Religiosamente a laranja é descascada. Cascas fora, e gomo a gomo, a laranja é comida. Isso era o esperado mas não foi o que aconteceu. Numa visão de mestre, Pessoa articula conhecimentos, competências e sentimentos e faz uma animação rápida e subtil: isola da laranja a vitamina, separa a vita da mina, pega na mina provoca um terramoto, separa a terra da moto, pega na moto e...abandona o local !

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